O SENTIDO DOS SERES SOCIAIS E O COLAPSO DA SAÚDE MENTAL NO LAR, NA RUA, NA ESCOLA E NO TRABALHO

Enquanto seres viventes, somos seres sociais. Nos definimos na medida em que nos situamos na relação com o outro no espaço e no tempo. O espaço se expressa desde a nossa casa, a rua, a escola e a instituição privada ou pública em que podemos trabalhar, determinantes para o sentido de uma sociedade. O tempo é o processo histórico que faz desdobrar a nossa atuação em sociedade e lhe dar significados e sentidos. Atuar nessa sociedade requer de nós uma série de parâmetros e paradigmas a seguir e, até mesmo, gabaritar. Somos seres sociais, vivemos e atuamos em sociedade, mas a sociedade é, ainda assim, percebida por nós como algo altamente distinto do indivíduo isolado, quando ele a toma como o lugar e o tempo em que ele precisa realizar sua atividade. A sociedade lhe surge como um conjunto de normais e modelos, ela é, no dizer de Lacan, o Grande Outro, para a qual precisamos prestar nossas contas e, ainda mais, é aquilo que precisamos internalizar para elaborar e constituir nossa “individualidade social” ou nosso Self (si mesmo), como propunha Herbert Mead.

O fato de sermos seres sociais implica que sentimos necessidade de nos relacionarmos com o outro em sociedade, em outras palavras, com os outros dentro do Grande Outro e, mais, para ele, a serviço dele. Precisamos gerar sentido para a sociedade a partir de nossas escolhas, atitudes e ideias partilhadas e concretizadas. Existe, no Grande Outro, uma exigência. Os espaços que ne se distribuem, as escolas, as ruas, as casas, as instituições e empresas, são espaços para gerar o funcionamento do Grande Outro.

O que distingue a comunidade humana das demais comunidades de seres vivos é o modo como se realiza seu exercício intelectual teórico e prático sobre o mundo na geração e constituição da sociedade. Nesse exercício está a precípua mentalidade humana. E ela é para nós o terreno do qual frutifica, bem ou mal, o nosso significado. Atestar que a mentalidade de algum indivíduo não está bem, significa atestar a possibilidade de ausência de sua saúde. E esta ausência configura a incapacidade da mente de adequar-se à sociedade enquanto Grande Outro ou, de modo mais intenso, de não reforçar seu sentido.

É nesse contexto que as pessoas desencadeiam os seus processos de vulnerabilidade mental: adoecem por não se sentirem adequadas à sociedade, adoecem ainda mais por não poderem gerar sentido nisso e, sequer, internalizá-lo. Em suma, seres sociais que não internalizam o sentido da sociedade, nem no contexto teórico nem prático. Os espaços sociais se transformam aqui em verdadeiros dilemas e mapas minados para a piora dos quadros de vulnerabilidade mental, quando neles, os seres sociais, os outros dentro do Grande Outro, não se articulam para repensarem, dialogicamente, como tornar o Grande Outro possível para os outros que não se convergem a ele. É aí que entra a perspectiva importante das reflexões e debates sobre inclusão – exclusão e propostas pedagógicas para ressignificar o sentido de sociedade. Ou ela se reconfigura ou muitos dos que compões a pluralidade dos “outros sociais” sucumbem.

A escola, as ruas, as casas, as empresas e as instituições necessitam de uma remodelação constante de paradigmas e parâmetros para que a própria sociedade, este Grande Outro, não se interponha sobre os outros como um monstro a esmaga-los. Do contrário, a própria sociedade sucumbe enquanto projeto de integração social a partir de seus espaços. É nesse contexto em que a escola se transforma em ambiente de violência, a rua em espaço de perigo, as casas em ambientes de desconforto mental, as empresas em lugares de esgotamento social e as instituições em panópticos doentios. Reduzir a potencialidade altamente nociva desses contextos deve ser nossa pauta.

Ana Monique Moura

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